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Galeria Luciana Brito

João Luiz Musa

LB News
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Algo de desajustado, talvez inadequado. São as primeiras sensações que nos tomam frente estas imagens. Dois paralelos possíveis podem ser propostos na busca de compreensão e superação dessa reação.  Um evoca certa fotografia de registro, de influência alemã. Porém, dela se distingue, pois evita a espetacularização da imagem, fruto em parte do recurso da grande escala e da busca da imanência de espaços e objetos. Aqui, as obras negam aquele “silêncio barulhento”.  Outro elo espontâneo ocorre perante a foto de paisagem. Contudo, Musa opera com inversões de regras de gênero, perverte-as, abandona o drama.

 

O conjunto maior de fotos, condensação de diversos ensaios realizados ao longo de uma década, pode ser tomado por esse percurso. A abertura sintética, ao redor de três panorâmicas, estabelece o terreno de ação. Grandes operações, grandes obras desdobram-se sobre terra virgem recriada. A dubiedade se estabelece, mesclando beleza e agressividade. O procedimento, no núcleo da seleção que se segue, é marcado por um mecanismo adicional: o afastamento.

 

A luz é instrumento de uma ironia fria que distorce a paisagem. Quase perversão sobre o mar que se dobra. O processo criativo evita aqui o jogo direto entre construído e natureza. Busca menos o limite (borrado) entre artificial e natural, e mais a possibilidade de visão nova. 

 

Se esses registros falam da paisagem, eles não obedecem a regras e expectativas do gênero. Nem ao jogo convencional de planos, aos elos com o espectador, ao drama extático de luzes e volumes. Todos esses elementos estão resolvidos, porém, na definição de uma distância, de um afastamento. Talvez como resultado de surpresa ante a paisagem construída, neo-natureza em busca de outra categoria de registro. Território para um simulacro do anjo de Klee, sabedor - nessa situação de suspensão entre o que ainda não cessou e o novo que não se pode distinguir-, de que é necessário agir. 
 A série integra na obra de Musa um processo de longa duração de elaboração crítica da imagem de paisagem. Nesse trajeto, destacam-se as grandes mostras individuais Viagem a uma terra desconhecida (MASP, 1990) e O viajante e as cidades (CCSP, 1999), que amadurecem uma poética voltada sobre as relações do homem e o ambiente. Superados os confrontos, primeiro sobre uma natureza intocada, depois sobre as cidades como lócus privilegiado do construído, do artificial, a reflexão procura cristalizar uma condição nova, em que as distinções entre natural e cultural parecem reduzidas abruptamentea um valor default, um ponto zero, a partir do qual é necessário agir.

 

O segundo conjunto de imagens, que ocupa o longo corredor-gabinete do primeiro andar, reúne obras recentes, em processo. O local é oportuno, pois permite um olhar intensificado, em espaço que nos joga contra as imagens.  

 

O ambiente natural dá lugar a cidades imaginárias, formadas de fragmentos de lugares (re)conhecidos. Dois blocos parecem definidos. Num, dominado por certo suspense, surge a figura humana, seu teatro de pequenos gestos, ressaltada de forma irreal pelo tratamento das luzes em contraste com as texturas intensificadas da arquitetura. Noutro, multidões e grandes edifícios se alternam, em cidades que apropriam e recriam vários mundos sob a luz irreal (e surpreendente) dos dioramas.

 

Estas séries recentes introduzem um novo aspecto da prática de Musa. A mestria técnica constitui marca da produção do artista, alimentada em momentos diversos pelo diálogo próximo com outros autores. O fotógrafo Raul Garcez (1949-1987), num primeiro momento, parceiro profissional e autor de surpreendentes imagens sobre o que resta de humano e desespero na vida modesta da grande São Paulo da década de 1970. E, em anos recentes, Evandro Carlos Jardim (1935) em especial, além de Marcos Buti (1953), referências centrais no campo da gravura brasileira.  

 

A proximidade entre esses autores, entre gravura e fotografia, é território adequado para mediação frente a novas possibilidades técnicas da mídia fotográfica. Aquela mestria, que busca uma solução matérica para determinada visão, parece emergir em condições de produção privilegiada para o artista. Nem por isso existem caminhos fáceis ou soluções dadas. Estas imagens são em si um risco necessário nessa busca formal. Por vezes, partilhando soluções e apropriações de diferentes origens, falsos caminhos, rumos a retomar. Uma história se desenvolve, mas é preciso esperar, atentos. 

 

Ricardo Mendes (FotoPlus.com)
Maio de 2006

21.06.2006 a 29.07.2006

 

terça a sexta-feira, das 10h às 19h
sábados, das 11h às 17h
entrada gratuita 

 

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sábados, das 11h às 17h
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