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Galeria Luciana Brito

Eder Santos | Barravento Novo

LB News
  • Eder Santos e Bruce Yonemoto, "Barravento Novo", 2017, impressão jato de tinta com tinta de pigmento mineral sobre papel fine art não alcalino, 100 x 177 cm
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Eder Santos | Barravento Novo

Em colaboração com Bruce Yonemoto

Curadoria Luiz Gustavo Carvalho

 

A obra de Eder Santos incita-nos a retirar as lentes através das quais observamos diariamente um mundo cada vez mais monocromático para enxergarmos o que não se vê. A tecnologia fria do vídeo é metamorfoseada por um olhar sensível e por um trabalho de edição e manipulação da imagem que não se submete a nenhuma linearidade e alcança proporções vertiginosas –– Barravento¹.

Se as referências à produção cinematográfica brasileira permeiam a produção do artista de maneira perene, Barravento Novo é uma reverência de um dos pioneiros da arte multimídia ao Cinema Novo. A videoinstalação, criada em colaboração com o artista nipo-estadunidense Bruce Yonemoto a partir do filme homônimo de Glauber Rocha, propõe uma justaposição que confronta o passado e o presente da história brasileira, assim como as tecnologias cinematográficas. No espaço expositivo, as cenas filmadas em 35mm pelo cineasta baiano são sobrepostas às  imagens digitais em 4K do artista mineiro. Os universos de Cota e Firmino, personagens principais do filme de 1962, confluem avultados na atuação hipnotizante de Camila Pitanga, protagonista da videoinstalação de 2017, que incorpora, ao mesmo tempo, Cota e Firmino –– Barravento².

Esquivando-se da mimese, Eder Santos segue à risca o grito de Firmino: a independência de Barravento Novo transparece na virtuosística edição que acompanha a fala final de Antônio Pitanga  –– homenagem ao primeiro protagonista negro do cinema brasileiro e também à estética de edição glauberiana ––, ressoa no barravento³ que integra a paisagem sonora da obra. O détournement existente na videoinstalação preserva, entretanto, a estética e narrativa contidas no primeiro longa-metragem de Glauber Rocha e realça alguns debates e tensões próprios do cinemanovismo brasileiro, os quais permanecem atuais ainda terceira década do século XXI.

Assim como a herança cultural e religiosa africana na Bahia não se restringe a Barravento na obra de Glauber Rocha, a vocação transatlântica também atravessa grande parte do universo artístico de Eder Santos. Após a série Todos os Santos (2016), na qual o sincretismo religioso se imiscui nas imagens projetadas em pequenos oratórios, a vídeo-escultura Oxalá demanda-nos um tempo kairótico para desvelar paisagens evocadas pelo vôo plácido do orixá e a intermitente dança das penas, convidando o espectador a uma experiência imersiva no espaço expositivo, numa espécie de contraponto à cadência cíclica e acelerada do ritmo de Xangô que coabita a galeria.

Há ainda um vínculo estreito que une os universos de Glauber Rocha e Eder Santos. Ambos, “com câmeras nas mãos e ideias nas cabeças” são extremamente engajados e críticos em relação à sociedade docilizada, cujo lema principal se resume às palavras “trabalhar, consumir e morrer”. Retratando a violência e a precariedade do terceiro mundo e refletindo sobre as camadas mais profundas entre opressor e oprimido, Barravento foi o marco inicial de um movimento que seria fortemente censurado pela Ditadura Militar no Brasil. Dado muito significativo, Barravento Novo nasceu cinquenta e cinco anos depois, num momento em que a democracia novamente era ameaçada e a cultura mais uma vez perseguida. Enquanto Aruan aponta para o oceano Atlântico em direção à África ao gritar “Nós temos que reagir!”, no filme de Glauber Rocha, a obra punk barroca de Eder Santos procura nas paisagens do nosso entorno a resposta ao grito de Firmino: “A nossa hora está chegando!”. Exigindo uma postura estética e ética em relação às imagens, o artista recorda-nos que a arte se encontra sempre à barravento.

 


¹ Designa o ato de uma pessoa perder o equilíbrio do corpo, como se sentisse uma ligeira tontura.

² Estado de atordoamento que precede a tomada da filha ou filho de santo pelo orixá, que neles se manifesta por cambaleios e movimentos desordenados.

³ Ritmo e um toque de atabaque utilizado na capoeira, candomblé e na umbanda.

 

⁴ Termo de origem incerta que significa o lado de onde sopra o vento.

 
Luiz Gustavo Carvalho

 

 

abertura: 22 de julho, das 11h às 16h

visitação: de 22/07/2023 a 19/08/2023

segunda, das 10h às 18h; terça a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 17h